quarta-feira, 8 de maio de 2013

Agência de publicidade: o palco de uma sociedade do espetáculo.

Pra quem não conhece, "Sociedade do espetáculo" de Guy Debord é uma crítica à sociedade capitalista pelo viés da relação de trabalho marxista. Vixe! complicado, né? Pra tentar deixar mais fácil, Marx acreditava que a sociedade capitalista é fundamentada na relação proletariado x burguesia. A relação de explorador e explorado. Essa relação é intensificada a partir da revolução industrial, com a produção em série e as linhas de montagem. Debord se apropria dessa definição de relação e parte para a crítica da própria sociedade. Para Debord toda a sociedade é baseada em uma retroalimentação. Tudo que a sociedade gera e consome serve unica e exclusivamente para manter essa relação de explorado e explorador.

"Numa definição básica, a sociedade do espetáculo consiste no povo como alvo de uma série de estratégias para que esse torne-se passível aos mecanismos do capitalismo e seus valores." São estratégias para que o povo se sinta sempre confortável com a própria exploração. "Os meios de comunicação de massa são as principais ferramentas desse modo de vida, através deles é realizada a manipulação de imagens e fatos da própria realidade, que passa a ser uma outra, inventada, idealizada. Mas, segundo Debord, junto desses meios estão a religião, a política, as celebridades e os publicitários."

Na sociedade capitalista tudo é produto - tudo mesmo - tudo pode ser vendido, basta que pra isso se introduza o fetiche (outra teoria de Marx). Crer que algo te traz felicidade e prazer é o passo definitivo para tornar algo vendável e mais fácil de ser assimilado pela sociedade. Ufa!

Ok, chega de teoria, vamos falar sobre o que realmente esse post se presta. A sociedade atual chegou a um ponto de espetáculo que até a própria exploração do trabalho é uma mercadoria. Ter seu tempo e esforço explorado a exaustão virou um fetiche. Vou falar do meu mundo, de onde eu conheço, do mudo da publicidade, as agências principalmente. O mercado publicitário é frenético, internamente então nem se fala, é uma "correria" dentro das agências, prazos, provas, orçamentos, e outra infinidade de coisas que tanto estressam.

Sem hipocrisia, falando com toda a sinceridade, a publicidade tem uma relação de trabalho baseada em  exploração da mão de obra, mas muita exploração mesmo (parece forte, mas é a verdade). Na grande maioria dos casos trabalha-se muito e se ganha muito mal, muito mal mesmo (desculpe se estou sendo exageradamente enfático, mas acho necessário aqui). Falando assim faz parecer que ninguém em sã coincidência se submeteria a trabalhar nessa área, certo? Pois é o inverso. Quando entrei nesse mundo o discurso era "isso já tava assim quando eu cheguei". Os primeiros estágios me deram essa noção, ouvia coisas como "em agência se trabalha muito" ou "é assim mesmo, nessa área o ritmo é puxado". Até aí tudo bem, eu, menino novo, empolgado, achava que "era assim mesmo". Hoje eu vejo que tudo isso na verdade era a "banalização da exploração", as pessoas eram doutrinadas a achar muito natural ser explorado.

O pior é que isso evoluiu (mas não no sentido bom do Charles Darwin). A coisa piorou, se antes havia uma banalização da exploração agora a coisa virou uma glamourificação da exploração. As pessoas não acham mais "normal" trabalhar até a madrugada todos os dias, quase não ter vida social, agora elas acham "lindo". A maior vitória delas é ser explorada. Não, não é legal fazer hora extra todos os dias (em nenhum sentido da palavra), não, não é legal trabalhar todos os finais de semana. Não, não é legal comer pizza de péssima qualidade na madrugada enquanto o dono da agência come nos melhores restaurantes da cidade. Não, não é legal fazer checkin na agência 3 horas da manhã e colocar na legenda "só os guerreiros". Se for pra usar uma metáfora, a de guerreiro é a menos coerente, talvez escravo seja a mais certa.

Virou uma coisa tão naturalizada que as pessoas perpetuam o discurso em todos os níveis de vida. As pessoas usam as redes sociais para reforçar esse discurso. O que pra muitos parece somente "piadas de facebook" sobre como o publicitário deve estar ligado 24hs no trabalho, "mesmo quando dorme" é na verdade a naturalização dessa exploração. Não confundam, trabalhar naquilo que se gosta não significa só trabalhar, a vida é muito maior que as quatro paredes da agência.

Esse post não é pra julgar ninguém. Eu sei bem que o mercado publicitário não é fácil, sei também que é preciso colocar comida na mesa, que muitas vezes a gente se submete a certas coisas porque é necessário, eu mesmo já trabalhei anos em agência e não tenho problema nenhum em voltar. Nem tão pouco estou incentivando qualquer "revolta do proletariado". Também não estou querendo dizer que o mercado publicitário é um demônio, mesmo porque trabalhar com publicidade é muito bom. O que estou chamando atenção é para como muitas vezes nos encontramos em um contexto que parece natural e não nos damos conta de como isso nos afeta. O meu espetáculo é a qualidade de vida. Eu ainda não tenho a fórmula para isso, mas tenho certeza que o modo como está não é o mais certo.