quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

100% REPRESENTATIVIDADE




Dois eventos recentes são os motivadores desse texto. O primeiro foi o lançamento do filme Pantera Negra nos cinemas, o segundo foi o “discurso” do apresentador do reality show BBB Tiago Leifert.

Quando Pantera Negra foi lançado muitos entenderam e louvaram a relação direta entre um protagonista negro de um filme de super-herói e a representatividade. Mas o que chamou a atenção foi a imediata chuva de discursos e piadinhas tentando tirar a legitimidade dessa representatividade.

Quando uma participante de um reality show saiu do programa, o apresentador irresponsável fez um discurso em rede nacional recheado de bobagens onde uma frase me chamou muito a atenção “A representatividade não leva a nada”. A irresponsabilidade de dizer uma frase dessa em rede nacional na maior emissora de televisão do país não tem justificativa, em nenhum contexto.

Porque a representatividade importa tanto? Essa pergunta não deveria nem existir. A partir do momento que tu entende o que é a representatividade tu entende porque ela importa. A partir do momento que tu precisa da representatividade tu entende porque ela tem que ser defendida em qualquer contexto.

A representatividade importa porque é ela que te permite vestir uma camisa escrita “100% NEGRO”. Representatividade importa porque é ela que te permite participar da Parada do Orgulho Gay, te permite pendurar na janela de casa uma bandeira de arco-íris.

Até meados dos anos 70 o IBGE fazia a classificação de etnia do Censo. Para o instituto só haviam três classificações possíveis. Negro, Branco e Pardo. Depois foi permitido que cada pessoa auto-declarasse sua etnia. De três possíveis anteriores, o IBGE passou a registrar CENTENAS de classificações. Moreno Jambo, Moreno puxado pra branco, Moreno claro, foram só algumas classificações que as próprias pessoas criaram.

E por que essas pessoas fizeram isso? Porque elas não queriam ser negras!

Desde o Brasil colônia ser negro no Brasil estava ligado diretamente a uma condição de vida, a mais precária possível. A ascensão social estava ligada diretamente a cor da sua pele, ser Branco te dava condições muito melhores do que ser negro. Essa construção cultural não terminou com o fim da escravidão, muito pelo contrário. O preconceito dos não negros nunca diminuiu. O acordo era claro, não seja negro que a sua vida será muito melhor. A partir de então as pessoas passaram a se embranquecer na tentativa de se afastar cada vez mais da negritude.

Ser negro passou a ser sinônimo de ofensa. “Negão”, “Moreno escuro”, “Moreno claro” eram as expressões que as pessoas usavam, mas ninguém tinha coragem de usar a palavra NEGRO. Na verdade ela era na maioria das vezes usada como ofensa mesmo “Seu Negro!”.

Quando tu perde a identidade tu perde a condição de irmandade. Tu não consegue ver a luta do teu par. Tu queres ser exatamente aquilo que te oprime, porque é a única maneira de deixar de ser oprimido.

A partir de meados dos ano 90 um movimento no Brasil começou a dar um pouco mais de voz para os Negros. Havia revistas voltadas só para o público negro, moda só para negros. O objetivo não era dizer que as “coisas de brancos” eram ruins, o objetivo não era segregar, era justamente o oposto. O povo negro deveria se unir, se sentir orgulhoso daquilo que ele é, e não buscar se representar em outro que não é ele.

100% NEGRO era o que se via na rua em camisetas, grafites, etc. “Sim, eu sou NEGRO e não me envergonho disso” era a mensagem que queríamos passar. Eu não sou moreninho claro, eu não sou negão, eu não sou pardo, eu sou NEGRO. Eu luto pela causa do meu igual, e o meu igual também é NEGRO.

A mesma coisa acontece com os homossexuais. Nunca foi permitido a eles ser o que eles são. A tentativa de todos os gays era parecer o outro, aquele que oprime. Quem tentasse o oposto era segregado, apontado na rua. Eles escondem o que realmente são. É muito mais fácil ser hétero, por que então não ser iguais a eles? Quando tu assume que tem Orgulho de ser gay é justamente o momento de se auto afirmar, de ter identidade.

Mas de nada adianta ter o orgulho interno se tu não tem em quem se espelhar. Pra que vou ter orgulho de ser negro se eu nunca vi um negro na diretoria de uma empresa? Se eu nunca vi um negro artista. Eu preciso me identificar, “olha lá, ele é igual a mim e tá lá, eu quero ser ele”. Por que vou ter orgulho de ser gay se todos que eu posso admirar são héteros? “Alí, uma travesti sendo a cantora mais famosa do Brasil, é isso que eu quero pra mim”, agora vale a pena ter orgulho, um igual chegou onde todos queriam chegar.

Um rei negro no cinema. “Aqui, mostro com orgulho!” “tá vendo como ele é igual a mim?” “tá vendo com ele é NEGRO?” é isso que é representatividade, é não ter vergonha de mostrar a própria pele.

Representatividade leva a muitos lugares, o lugar que as pessoas quiserem ir.


ps.: Se você entendeu esse texto, tu consegue entender porque não existe “orgulho branco”, nem “Parada do Orgulho Heterssexual”